terça-feira, 22 de janeiro de 2013


Ainda o cãozinhoPublicado em Segunda, 21 Janeiro 2013 19:59
Escrito por Olavo de Carvalho

O sr. Lucas Patschiki (ver artigo na edição anterior) tenta desesperadamente camuflar o seu panfleto vagabundo sob as aparências de uma tese científica, mas não tem a esperteza necessária para isso. Se tivesse, não apelaria de maneira tão confiante e ingênua a um dos chavões mais compulsivos e autodenunciadores da propaganda comunista, que é o de tentar desmoralizar o adversário, o anticomunista, como um agente pago da burguesia. No meu caso, a prova que ele fornece dessa vinculação monetária é de uma candura que chega a ser comovente na sua puerilidade: "A preocupação com que Olavo de Carvalho analisa a burguesia brasileira é retribuída, pois o dota de meios e rendimentos para levar essa luta adiante...: sua permanência nos EUA é financiada pelo Diário do Comércio.

Descontado o português subginasiano, impotente para esclarecer se o sujeito da oração subordinada é a preocupação ou a burguesia, ele quis dizer que recebo subsídios do Diário para lutar em favor da classe que o jornal representa.

Sou jornalista profissional há quarenta anos e nunca soube que salário fosse "financiamento". Se o fosse, e como o próprio sr. Patschiki reconhece haver uma pletora de jornalistas de esquerda nas redações, deveríamos concluir que a burguesia financia muitos agentes para que lutem contra ela e só uns poucos para que a defendam.

É claro que, se ela faz isso, só pode ser por estupidez genuína ou por algum tipo de malícia inversa cuja engenhosidade me escapa. Na primeira hipótese, fica impugnada a tese do sr. Patschiki de que a burguesia detém o controle ideológico dos seus órgãos de imprensa. O sr. Patschiki acredita piamente na segunda, mas não nos fornece a menor explicação do que pode fazer em benefício da burguesia um mecanismo tão paradoxal e contraproducente.

Uma hipótese que nem lhe passa pela cabeça é a de que as empresas de mídia se atêm à mais rigorosa abstinência ideológica na contratação de seus empregados, acabando os esquerdistas por obter aí a superioridade numérica pelo simples fato de praticarem a gramsciana "ocupação de espaços" que a direita ainda não aprendeu.

Todos os jornalistas profissionais recebem um salário, independentemente do conteúdo ideológico daquilo que escrevem. Se o fato de eu ser um deles basta para fazer de mim um agente pago a serviço ideológico de um grupo ou classe, o sr. Patschiki teria a obrigação de perguntar se acusação idêntica não se aplicaria muito mais ao agente que é subsidiado para a tarefa específica de produzir um ataque político a determinada pessoa ou entidade, tal como ele foi financiado, não pelos proletários dos quais se imagina um porta-voz, e sim por um pool de bilionários interesses estatais e privados, a Fundação Araucária, para escrever contra mim e o Mídia Sem Máscara e defender assim a aliança comuno-dinheirista que nos governa.

Todo historiador ou cientista social só pode compreender a posição dos outros na sociedade desde uma consciência clara da sua própria posição, da fonte dos seus meios de sustento, dos grupos que o protegem, etc. Mas o sr. Patschiki, que não é nem uma coisa nem a outra, não apenas não precisa saber de nada disso como de fato não sabe e nem de longe suspeita que deveria saber. Por isso ele pode continuar sonhando que todo salário de jornalista profissional é um "financiamento" ideologicamente comprometedor e ignorando que o financiamento da sua tese é exatamente isso no mundo real e em grau superlativo.

Mais esquisito ainda é que, vendo no salário que recebo do Diário do Comércio uma prova da conspiração fascista financiada pela burguesia, ele nem se dá conta de que, admitida essa hipótese, o comando da conspiração não teria como estar nas minhas frágeis mãos de agente contratado, e sim nas do meu poderoso contratador.

De fato, não tem sentido ele me qualificar como um "litor" – segundo a sua definição, aquele que representa o poder sem exercê-lo – e ao mesmo tempo fazer de mim, e não daqueles que supostamente me comandam, o centro da trama conspiratória.

Talvez haja nisso um secreto desejo de evitar briga de cachorro grande, trocando o comandante pelo comandado e batendo neste para acertar naquele sem que se possa dizer que o faz. Porém há mais provavelmente a confusão patética do semi-analfabeto que, mal conseguindo manejar o idioma pátrio, se mela todo ao tentar fazer bonito com um termo latino.

Qualquer que seja o caso, o fenômeno Patschiki já estava prefigurado na contradição interna da própria doutrina marxista, como expliquei anos atrás: "A teoria marxista da ideologia de classe não tem pé nem cabeça. Ou a ideologia do sujeito traduz necessariamente os interesses da classe a que ele pertence, ou ele está livre para tornar-se advogado de alguma outra classe.

Na primeira hipótese, jamais surgiria um comunista entre os burgueses e Karl Marx jamais teria sido Karl Marx. Na segunda, não há vínculo entre a ideologia e a condição social do indivíduo e não há portanto ideologia de classe: há apenas a ideologia pessoal que cada um atribui à classe com que simpatiza, construindo depois, por mera inversão dessa fantasia, a suposta ideologia da classe adversária."

Tudo o que o sr. Patschiki escreve sobre o Mídia Sem Máscara é, de fato, projeção inversa: como a esquerda é um movimento político unitário, riquíssimo e bem organizado, ele tem de imaginar que qualquer bloguinho anticomunista é exatamente a mesma coisa.

Como trabalho científico, sua tese não vale nada, mas vale muito como informe de espião, desses que os comunistas sempre fazem para ter pronta a lista de inimigos a ser assassinados no momento propício.

Correção – Por engano da redação, o nome do livro de Lucas Patschicki, citado no artigo anterior, foi grafado erradamente. O correto é Os Litores da Nossa Burguesia: O Mídia Sem Máscara em sua Atuação Partidária.

Olavo de Carvalho é ensaísta, jornalista e professor de Filosofia

http://www.dcomercio.com.br/index.php/opiniao/sub-menu-opiniao/103543-ainda-o-caozinho

domingo, 20 de janeiro de 2013


Nosso Pai Que Estás no Céu, ou Nossa Mãe Terra?

Autora: Berit Kjos (http://www.crossroad.to)



Nota do Editor: O artigo a seguir é um excerto do excelente livro A Twist of Faith (A Torção da Fé). Este artigo e o livro demonstram o impacto da espiritualidade da deusa nos indivíduos e na sociedade — o artigo é uma importante janela para a compreensão do pensamento e das motivações religiosas que estão por trás desta poderosa e crescente tendência.
As lutas de Peggy pareciam intermináveis. Ela queria estar perto de Deus, mas raramente sentia Sua presença. Ela queria que seu filho adolescente amasse a Deus, mas os pôsteres ocultistas no quarto dele tornaram-se lembretes diários das orações não respondidas. Ela se filiou a um ministério cristão, mas mesmo assim não conseguiu alcançar uma relação satisfatória com Deus. Após certo tempo, deixou o ministério para voltar à faculdade.
Peggy me procurou alguns anos mais tarde e me disse que começava a se encontrar. Sua busca a levara para além das vozes familiares que haviam dado "respostas convenientes" às suas questões espirituais. O Deus bíblico não parecia mais relevante ou benevolente. Uma professora da faculdade havia sido especialmente importante em sua jornada rumo ao autodescobrimento. Essa professora e orientadora chamava a si mesma de bruxa — alguém que acredita no poder das fórmulas e dos rituais mágicos para invocar o poder das forças espirituais.
Alguns anos se passaram. Quando me procurou novamente, ela havia se separado do marido e se mudado.

"— Eu precisava me encontrar. Minha jornada espiritual abriu meus olhos para todo um novo paradigma", explicou."— Um novo paradigma?"

"— Sim. Uma nova forma de ver Deus e a mim mesma — e tudo o mais. É como nascer de novo."
"— Quem é Jesus Cristo para você agora?", perguntei.
"— Ele é um símbolo da redenção. Não rejeitei a Bíblia, mas estou apenas tentando fazer minha experiência espiritual do meu jeito. Tenho de ouvir minha própria voz e não deixar que outra pessoa faça as escolhas por mim. Enquanto isso, estou disposta a viver em confusão e mistério, e sinto que estou nas mãos de Deus, independente de Deus ser ele, ou ela."
A jornada dela soa familiar para você? Como milhões de outras pessoas, Peggy anseia por uma espiritualidade prática, um senso de identidade, uma comunidade de seguidores que pensem de forma semelhante, e um Deus que ela possa sentir. Ela se recorda de versos bíblicos significativos, mas eles perderam a autoridade como diretrizes. De algum modo, a Bíblia não mais se encaixa com o modo dela de pensar ou com aquilo que ela quer.
Ela se indaga por que Deus não é mais tolerante e de mente aberta. Afinal de contas, ele é um Deus de amor, não é? Talvez uma divindade feminina fosse mais misericordiosa, compreensiva e relevante para as mulheres. Talvez seja tempo de ir além das antigas restrições da verdade bíblica, rumo ao reino ilimitado dos sonhos, das visões e do autodescobrimento.
Multidões já foram. As antigas e esparsas jornadas em experiências da Nova Era tornaram-se uma larga avenida cultural rumo a uma espiritualidade autoproduzida. Muitas mulheres que participam de igrejas fluíram para esses caminhos místicos e adaptaram suas antigas crenças às visões mais "inclusivas" de hoje. Afinal, segundo disseram para elas, a paz em um mundo pluralista exige uma visão mais aberta de todas as religiões e culturas.
Aquelas que concordam estão encontrando inúmeros caminhos para a "sabedoria" e a capacitação individual por meio de livros, revistas e novas formas de grupos femininos. Elas se reúnem em igrejas tradicionais, na YWCA (Associação Cristã de Moças), em retiros, em livrarias, em salas de estar... em qualquer lugar. Aqui, novas palavras e práticas estranhas — como eneagramas, labirintos, Círculos de Sofia, consciência global e "massa crítica" — oferecem fórmulas modernas para a transformação espiritual. Terapeutas, mentoras e diretoras espirituais prometem "locais seguros" em que as interessadas poderão descobrir sua própria verdade, aprender novos rituais, opinar sobre as experiências umas das outras e libertar-se das antigas regras e limitações.
Talvez você participe de um desses grupos. Você pode ter amigas ou parentes que estão explorando esses novos caminhos. Ou então você pode estar entre aqueles que se perguntam como essas estranhas atividades místicas poderiam tocar sua vida.
Ao contrário das mulheres que estão buscando a verdade em círculos pagãos, você pode conhecer seu destino e não sente necessidade de alternativas espirituais. Você está seguro em sua família, em sua igreja e entre seus amigos pessoais.
Tem certeza? Esse novo movimento espiritual está transformando nossas igrejas bem como nossa cultura. Ele atinge toda família que lê jornais, que assiste televisão e que envia seus filhos às escolas públicas. Ele está levando rapidamente nossa cultura para além do cristianismo, além do humanismo — e até além do relativismo — rumo a novos valores e crenças globais. Ninguém está imune às suas pressões sutis e aos seus estímulos silenciosos. O fato de ele se associar às outras mudanças sociais e movimentos globais apenas acelera a transformação. Entretanto, a maioria dos cristãos — como o sapo colocado na bacia com água fria aquecida no fogo brando — ainda não percebeu o que está acontecendo.

O movimento feminista exige novas divindades ou, pelo menos, uma redefinição das antigas deidades. Portanto, a busca por uma religião "mais relevante" propõe novas visões de Deus: imagens que troquem a santidade pela tolerância, o celestial pelo terreal e o Deus que está acima de nós por um deus que seja cada um de nós.
As imagens mais sedutoras são femininas. Elas podem parecer como os anjos dos cartões postais, fadas-madrinhas, deusas gregas terrenas, sacerdotisas radiantes da Nova Era, ou mesmo uma Maria mítica, mas todas prometem amor incondicional, paz, poder e transcendência pessoal. Para muitos, essas imagens parecem ser boas demais para rejeitar.
As Máscaras Sedutoras dos Deuses Femininos
Provavelmente você não esperaria encontrar deusas em uma cidadezinha conservadora no interior do estado do Dakota do Norte. Eu não esperava. Mas, um dia, ao visitar a cidade natal de meu marido, uma vizinha nos disse que uma livraria tinha acabado de ser aberta na casa pastoral da velha Igreja Luterana. "Vocês deveriam ir lá conhecer", ela nos incentivou.

Concordei e então fui até a linda igreja branca, caminhei até a casa pastoral ao lado e toquei a campainha. A mulher do pastor abriu a porta e me levou até um quarto amplo que ela tinha transformado em uma livraria, deixando-me à vontade para folhear os livros. Percorrendo as prateleiras ao longo das paredes, observei autores conhecidos como Lynn Andrews, que livremente mistura feitiçaria com rituais dos índios americanos, autocapacitação de Nova Era e outras tradições ocultistas para formar sua própria espiritualidade.
Entre os livros multiculturais na seção infantil, um que chamou minha atenção foi As Muitas Faces da Grande Deusa, "um livro de colorir para todas as idades". As páginas continham desenhos de deusas voluptuosos e famosas. Nuas, com os seios à mostra, grávidas ou com serpentes enroladas no corpo, elas certamente abririam as mentes dos jovens artistas para a atração o sexo "sagrado" e dos mitos antigos.
Enquanto voltava para casa, fiquei considerando a rápida mudança do cristianismo para o paganismo. Aparentemente, os mitos e a sensualidade espiritualizada pareciam bons para aqueles que buscam novas revelações e verdades "mais elevadas". Muitos dos mitos modernos retratam deidades que se encaixam em algum ponto entre uma versão feminina de Deus e as deusas atemporais retratadas nas histórias e nas culturas centradas na terra. Todavia, cada uma delas pode ser feita de encomenda para se encaixar nos gostos e exigências diversos das mulheres de hoje.





Anjos. Terry usa um broche na forma de anjo em sua jaqueta. Ela acredita que os estimados anjos de hoje ofereçam todo tipo de ajuda, direção e encorajamento pessoal. Embora Deus lhe pareça distante e impessoal, ela conta com seu anjo particular para ajudá-la e amá-la. Ela me mostrou um jogo de cartas de anjos em uma prateleira em sua loja de presentes. "Que este anjo da guarda possa... lhe dar esperança e vigor para enfrentar cada novo amanhecer", sugeria um cartão de amizade, que vinha com um broche de um anjinho dourado.
Sofia. "Sofia, Deusa Criadora, que teu leite e mel manem... Inunda-nos com teu amor..." entoaram mais de 2.000 mulheres reunidas na Conferência da Reimaginação de 1993, em Minnesota. "Celebramos a vida sensual que nos dás... Celebramos nossa corporeidade... as sensações de prazer, nossa unidade com a terra e com a água", prosseguiu uma das líderes. Representando as grandes denominações, as mulheres vieram da Igreja Presbiteriana dos EUA (cerca de 400 mulheres), da Igreja Metodista Unida (cerca de 400), da Igreja Evangélica Luterana da América (313), da Igreja Unida de Cristo (144) e das igrejas batista, episcopal e Igreja dos Irmãos (cerca de 150). Cerca de 230 eram católicas romanas. Para a maioria dessas adoradoras, Sofia simbolizava a sabedoria interna e "a imagem feminina do Divino". Brincalhona, permissiva e sensual, ela "tornou-se a mais nova febre entre as mulheres das igrejas progressistas."
Mãe Terra. Para preparar as meninas escoteiras (entre 10 e 12 anos) para uma cerimônia regional de "iniciação na vida adulta", a líder regional Tracy, do Condado de Santa Clara, na Califórnia, utiliza imagens guiadas para alterar suas consciências e ajudá-las a encontrar seu próprio espírito-guia. De acordo com outra líder preocupada, que observou a cerimônia da fogueira, Tracy, vestida como uma índia americana, invocou o Grande Espírito e os espíritos das matas, o Norte, Sul, Leste e o Oeste. Após explicar a entrada das meninas na condição de mulheres e marcar suas frontes com cinzas, ela as levou a uma jornada de meditação.
"Image um campo"... entonou sua voz misteriosa. "Veja uma moça sentada debaixo da sombra de uma árvore. Converse com ela. Essa pessoa sábia será sua companheira e auxiliadora durante toda a vida." Com esse constante e fiel espírito-guia, quem quererá seguir os conselhos da mamãe, do papai, ou de Deus? Por que convidar uma opinião contrária quando o guia fala aquilo que a pessoa quer ouvir — pelo menos no início?
Uma deusa. Sharon cresceu em um lar cristão. Desapontada com a fria resposta de sua igreja às suas preocupações com o meio ambiente, ela se voltou para a feitiçaria. Como seu conciliábulo aceita qualquer expressão panteísta, Sharon simplesmente transferiu aquilo que gostava em Deus para a sua imagem autoproduzida da deusa. Ela descreve seu substituto feminino de Deus como um ser amável e não julgador que preenche toda a criação com sua vida sagrada. Ocasionalmente, essa deusa aparece para ela e a reveste com uma luz brilhante e uma presença espiritual "amorosa".
Essas e incontáveis outras mulheres compartilham duas visões radicais: o cristianismo tradicional, com suas restrições bíblicas, está ultrapassado, e novos panoramas ilimitados de emoções e dons espirituais estão em alta. Vale tudo — exceto a verdade e os padrões absolutos de Deus. O amplo guarda-chuva da espiritualidade feminista abrange todas as religiões pagãs do mundo, mais as atuais distorções populares do cristianismo. A maioria das buscadoras simplesmente recolhe e mistura as "melhores partes" de diversas tradições. A pessoa pode iniciar como a meditação budista, depois adicionar a medicina chinesa, Yôga hindu e a iniciação no deserto dos índios americanos chamada de "Busca Espiritual". Algumas dessas combinações se encaixam melhor com as visões das feministas atuais do que outras, porém a maioria envolve o seguinte:
Panteísmo. Tudo é deus. Um espírito, força, energia ou deus(a) permeia todas as coisas, infundindo todas as partes da criação com sua vida espiritual.
Monismo. Tudo é um. Como o deus panteísta é tudo e está em todos, todas as coisas estão conectadas.
Politeísmo. Muitos deuses. Como a força panteísta ou deus(a) torna tudo sagrado, qualquer coisa pode ser adorada: o sol, as árvores, as montanhas e as águias — e inclusive nós mesmos.
Paganismo. Confiar na sabedoria e nos poderes do ocultismo. Em toda a história, xamãs tribais, curandeiros, pajés ou sacerdotes contactaram o mundo espiritual usando rituais e fórmulas mágicas atemporais que são surpreendentemente similares em todas as culturas pagãs do mundo.
Neopaganismo. Novas combinações idealizadas das antigas religiões pagãs. Para tornar o paganismo atraente na atmosfera autofocada dos dias atuais, seus promotores idealizam culturas tribais e religiões pagãs. Em vez de dizer toda a verdade e nada além da verdade, eles nos dizem que forças espirituais vinculam cada pessoa a cada outra parte da natureza. Qualquer mulher pode funcionar como uma sacerdotisa, contactar o mundo espiritual, manipular as forças espirituais e ajudar a criar a paz e a unidade globais.
Portais para a Deusa
Como a maioria dos neopagãos, Daiane acredita que a espiritualidade centrada na terra traga paz e capacitação pessoal. Ela é uma linda moça com cabelos pretos longos, delgada e com a aparência de ser vegetariana. Ela é cabeleireira, é casada, deseja ter filhos e é membro da Assembleia Pagã de San Francisco. Certa vez, enquanto cortava meu cabelo, ela me contou como descobriu a deusa que a capacita.
"— Sempre gostei de ler, especialmente livros sobre magia e feitiçaria." "— Qual era seu favorito", perguntei.

"— Drawing Down the Moon (Baixando a Lua), de Margot Adler. (NT: O título se refere a um ritual da Wicca, em que a sacerdotisa do conciliábulo entra em transe e começa a canalizar mensagens e a representar o papel da deusa.).
"— Esse livro é quase uma enciclopédia sobre feitiçaria. Quantos anos você tinha quando o leu?"
"— Eu estava concluindo o ensino médio."
"— Onde você encontrou o livro?"
"— Na biblioteca. Mas eu já tinha lido alguns outros livros, como Medicine Women, de Lynn Andrews.
Meus pensamentos se voltaram para outra moça que tinha lido esse livro alguns anos antes. A professora de Lori no colegial a incentivou a explorar diversas tradições espirituais — até mesmo a criar sua própria religião. Fascinada com a combinação neopagã da autora Lynn Andrews do xamanismo dos índios americanos com a espiritualidade da deusa, Lori encomendou de um catálogo uma tenda indígena, armou-a em seu quintal e a utilizou para realizar rituais à luz de velas inspirados pela Wicca (magia branca). Como a maioria dos pagãos contemporâneos, ela aprendeu a misturar diversas tradições em uma expressão pessoal que se ajusta à sua própria busca por poder e "sabedoria interior".
Alguns meses antes de Daiane cortar meu cabelo pela primeira vez, eu tinha conhecido uma charmosa aluna da Universidade de Stanford que também chamava a si mesma de pagã. Bete, uma estudante de Pedagogia com Ênfase em Filosofia, tinha lido meu livro sobre espiritualidade ambiental e queria discuti-lo comigo. Um dia, durante um almoço na lanchonete da faculdade, ela compartilhou comigo suas crenças.


"— Quem levou você à feitiçaria e ao lesbianismo?", perguntei após certo tempo.
"— Duas professoras que tive durante o ensino médio", ela respondeu.
Eu não fiquei surpresa. Naquela época, eu já sabia que um número exorbitante de mulheres pagãs escolhem a sala de aula como plataforma para ampliar sua fé e transformar nossa cultura. Como o restante de nós, elas desejam construir um mundo melhor — que reflita suas crenças e valores.
Enquanto Bete falava, observei as joias que estava usando. O pentagrama dourado e a miniatura de uma deusa voluptuosa em uma corrente ao redor do pescoço diziam muito sobre seus valores. Assim também os brincos: dois enormes triângulos cor-de-rosa apontando para baixo, um antigo símbolo da deusa, bem como um moderno símbolo do lesbianismo.

"— E essas suas joias? As pessoas sabem o que o pentáculo e os triângulos simbolizam? Elas criticam você por usar uma miniatura da deusa?"
Ela riu. "— Não, não. Aqui, todos são tolerantes com os estilos de vida dos outros; ninguém ousaria dizer coisa alguma."
Refleti sobre essa afirmação. O que significa ser tolerante — ou intolerante — hoje em dia? Se a intolerância for a postura autocentrada, que despreza as pessoas com valores "diferentes", ela é errada. Jesus Cristo sempre demonstrou amor e compaixão em relação às mulheres excluídas e maltratadas de Seu tempo. No entanto, Ele nunca concordou com estilos de vida destrutivos ou com ações que ameaçassem os demais. O que aconteceria com uma cultura que tolerasse tudo?
Um resultado é óbvio. As três últimas décadas produziram uma abertura sem precedentes para aquilo que era antes considerado como território proibido. A adivinhação, os jogos com temática ocultista, os rituais dos índios americanos e incontáveis outras portas para o paganismo se propagaram desde os quartos secretos dos ocultistas profissionais e dos xamãs indígenas para as salas de aula, para os programas ambientais, para os acampamentos das meninas escoteiras e para as igrejas em todo o país.
Os teólogos "cristãos" mais conhecidos não mais ocultam suas preferências espirituais. "A desconstrução da religião patriarcal — em termos suaves, o suicídio assistido de Deus, o Pai — deixou muitos de nós destituídos de uma divindade", explica a teóloga feminista Mary Hunt. "Mas, a fome humana por valor e significado... encontra uma nova expressão na adoração à deusa."
Essa fome humana por significado e sentido foi planejada para levar as pessoas a Deus. Ele nos criou para que precisemos Dele, não das falsificações criadas pelo homem. Como o filósofo do século 17 Blaise Pascal escreveu: "Há um vazio no formato de Deus em todo coração." Todavia, um número extraordinário de pessoas procura encher esse vazio com substituições sedutoras.
Celebrando a Deusa
Em 2 de junho de 1994, esse desejo espiritual levou centenas de mulheres à Conferência da Renascença do Sagrado Feminino, em San Francisco. Contrariando a proximidade do Solstício de Verão, um vento frio passava pelas paredes de pedra da Catedral da Graça enquanto eu aguardava com a multidão enfileirada nas laterais — e orava.
O frio aumentou. Abotoamos nossas jaquetas e nos agrupamos mais. Algumas mulheres estudavam o programação oficial do evento. A capa mostrava uma deusa sensual dançando diante de um grande círculo — talvez um sol sagrado, ou uma roda budista da vida, ou uma roda da medicina dos índios sioux... Não fazia diferença qual fosse. A deusa do hoje é universal o suficiente para englobar todas as religiões centradas na terra e divindades femininas de todo o mundo.
Um parágrafo introdutório sugeria que essa deusa panteísta unificaria as pessoas e salvaria o planeta:
"Este evento celebra e honra a presença da Mãe Divina no centro da civilização global emergente. O Sagrado Feminino tem um papel central na restauração das nossas mentes divididas e de nosso planeta ameaçado de extinção... Sem a transformação espiritual em uma escala maciça e sem precedentes, a humanidade não conseguirá sobreviver..." Não sobreviveremos sem uma transformação ocultista?

Olhei para os rostos das pessoas que estavam ao meu redor. Elas estavam se tornando impacientes. O horário de entrada, 18h30min tinha passado e os apelos para abrigo no interior tinham caído em ouvidos antipáticos. "Lembrem-se que estamos em um caminho cíclico, não linear como no antigo caminho patriarcal", foi a única desculpa dada. Eu ri, esperando que a espiritualidade da deusa continuasse a se mostrar como de fato é.
Com vinte e cinco minutos de atraso as portas foram abertas e a multidão entrou rapidamente, lotando a enorme catedral episcopal. Enquanto estranhos cantos à Mãe Terra ecoavam entre os pilares góticos, dei uma olhada em uma pequena folha de papel verde que uma pessoa distribuiu na porta de entrada. "Fracasso", estava escrito no meu papel.
Curiosa, voltei-me para a mulher que estava ao meu lado e perguntei: "— O que está escrito no seu papel?"
A mulher leu e respondeu, franzindo a testa: "Escravidão".
"Ah Ma-ma! Ah Ma-ma! Ah Ma-ma..." cantava o Conjunto Coral de Lésbicas de San Francisco.
À medida que outras também começaram a cantar acompanhando o conjunto, imagens da deusa de várias partes do mundo eram projetadas em um telão. As imagens iam de voluptuosas deusas da fertilidade para assustadoras e vingadoras deusas bebedoras de sangue que exigiam sacrifícios humanos.
A deusa supostamente deveria ser gentil e compassiva, pensei comigo mesma. Todavia, em muitos de seus próprios mitos, ela é mais cruel do que se pode descrever com palavras. Lembrei-me da deusa hindu Kali com sua língua sanguinária e seu colar de crânios humanos.
Uma voz invocou a presença da deusa de muitas faces: "Saudações à grande imperatriz que saiu do fogo da pura consciência..." Silenciosamente, continuei a louvar a Deus. Em seguida, Alan Jones, deão da catedral, compartilhou sua satisfação com nossa cultura "pós-tradicional" e "os novos modos e formas de expressar o espírito".
Uma jornada de quatro passos rumo à unidade consciente com esse "sagrado feminino" teve início com a rendição coletiva: "Nós nos curvamos ao teu sagrado poder, à santa sabedoria de Sofia, nossa amada mãe que está no céu e na terra..."
"Nosso Pai que estás nos céus, santificado seja o teu nome...", orei silenciosamente como forma de tapar minha mente aos outros sons.
O segundo passo, Caos e Tribulações, significava experimentar os sofrimentos do nascimento, do útero e da transformação. Fomos instruídas a imaginar a condição escrita em nosso pedaço de papel de cor verde, entrar naquelas trevas, sentir a dor, invocar a deusa-mãe, depois gemer, chorar e se lamentar. À medida que os sons de lamentos pelas dores imaginadas começaram a ser ouvidos por todo o ambiente, continuei a agradecer a Deus por Seu triunfo sobre as trevas.
O terceiro passo, Abraçar e Compreender, ofereceu somente mitos pagãos e afirmações rasas como soluções para os problemas da vida. Uma história sobre a deusa-solar japonesa terminou com uma fútil solução para o medo: um espelho para olhar para sua própria glória.
Exaltação e Transformação, o quarto passo na jornada rumo ao "sagrado feminino, a fonte do nosso ser", foi liderada por Andrew Harvey, um guru para ocidentais que buscam as experiências místicas do Oriente. Como a maioria dos pagãos contemporâneos, ele mistura as crenças e práticas de muitas tradições centradas na terra para criar sua própria expressão. Sua mistura de meditação oriental, feitiçaria ocidental, mistérios do sufismo e Psicologia Junguiana pareciam ter conquistado para ele o status de um mestre reverenciado. Imitando os Dez Mandamentos, ele listou "Dez Sugestões Bastante Firmes". A nona sugestão tipifica o foco sensual do paganismo contemporâneo: As Dez Sugestões Bastante Firmes:

Adore-me... a Mãe. Saiba que eu, a Mãe, sou imanente e transcendente.
Adore todo ser que sente emoções... com minha total ternura.
Atreva-se a adorar a si mesma como minha criança divina.
Saiba... que a natureza é o corpo sagrado da minha vida sagrada.
Saiba que meu amor é eternamente ativo...
Brilhe em todas as quatro direções.
Dissolva todas as barreiras sociais entre seitas e religiões.
Dissolva todas as barreiras entre... o sagrado e o profano.
Descubra e cultive o Eros sagrado em todas suas conexões extáticas.
Saiba que posso ser contactada em qualquer lugar e a qualquer momento por meio de uma sílaba sagrada: 'Ma'. Nenhum intermediário é necessário.

Como Harvey se comunica diretamente com espíritos pagãos, ele recebe os tipos místicos de mensagens que alimentam a rebelião espiritual moderna. Recentemente, a "Mãe Divina" lhe disse que "tudo será transformado quando você conhecer e me ver... Determinei o fim da homofobia. Determinei o fim da razão. Determinei o fim da negação da santidade do corpo.... Determinei o fim da exploração da natureza. Determinei que haverá um jardim..."
A Conferência Sobre o Sagrado Feminino iria continuar por mais dois dias em uma igreja unitariana da cidade, mas eu já tinha visto o suficiente. Dirigindo meu carro de volta para casa, agradeci ao meu Senhor por sua vitória sobre as deidades ocultistas e as forças que elas representam. Somente Ele pode trazer um renascimento da verdade e da luz nessas trevas que estão se propagando.
Olhando Para Frente
Haverá um jardim sob o reinado da deusa? A "Mãe Divina" de Harvey disse que sim, mas quem é ela? Ela sussurra mistérios que o mundo deseja ouvir, mas o que torna seus mitos tão aceitáveis de acreditar — até para líderes de igrejas? O que acontece com as mulheres seduzidas por suas promessas e para aonde ela está levando nossos filhos? O que acontece com as nações que se voltam para "outros deuses" e valores? O que acontece com os cristãos nessas culturas?
Estas e outras questões cruciais são discutidas no restante deste livro. [Nota do Editor: Recomendo a aquisição de A Twist of Faith.] Em cada capítulo, veremos uma frase na oração que Jesus ensinou aos Seus discípulos, depois mostramos como ela é virada de cabeça para baixo pelo movimento de espiritualidade feminista. Após a estrutura de tópicos da oração a seguir, exploraremos os principais mitos que alimentam o reavivamento pagão da atualidade e as principais verdades que nos levam de volta à intimidade com Deus. Considere as diferenças: Orando a Deus:


Nosso Pai que estás nos céus.
Santificado seja o teu nome.
Venha o teu reino.
Seja feita a tua vontade.
Dá-nos... o pão nosso de cada dia.
Perdoa... como temos perdoado.
Não nos deixes cair em tentação.
Livra-nos do mal.
Pois teu é o reino e o poder.
... para sempre.
Afirmando a deusa:


Nossa Mãe, a Terra.
Sagrado e perfeito eu sou.
Venha a minha visão.
Seja feita a minha vontade.
Eu não dou... eu possuo.
Decido perdoar, ou amaldiçoar.
Tentação? Crio meus próprios valores.
Não existe o pecado, nem o mal.
Meu é o poder.
Nada é permanente ou absoluto.

Para as mulheres que buscam novas direções, rostos femininos para Deus e uma imagem melhor de si mesmas, o caminho da espiritualidade feminista pode parecer brilhante e promissor. Entretanto, como Peggy, muitas se encontram nas profundezas da confusão e da solidão espiritual assim que a euforia inicial acaba. Algumas ficam presas em uma espiral espiritual descendente e da qual não conseguem escapar. Quando já é tarde demais, elas se encontram imersas na opressão e na confusão, em vez de obterem amor e paz.
Uma irmandade global de militantes feministas iradas está ascendendo ao poder. A Conferência Mundial das Nações Unidas Sobre a Mulher, em Pequim, na China, deu uma amostra de sua influência. Ela deu às líderes ordens de marcha destinadas a revolucionar nossos lares, escolas, igrejas, serviços sociais, a sociedade civil e a cultura. Se o movimento feminista receber aquilo que exige, ninguém escapará de sua influência global. Os cristãos enfrentarão o tipo de ódio e perseguição que levou os puritanos à América do Norte, mas não haverá lugar para se esconderem além de Cristo.
Conforme observamos essas transformações à luz da Sua Palavra, Deus nos ajuda a compreender esta crise e a nos prepararmos para o conflito vindouro. Quando confiamos Nele e contamos com Suas promessas, Ele não apenas nos mantém espiritualmente ilesos durante nossa jornada, mas também nos mostra um contentamento e uma vitória que apenas são possíveis para aqueles que ousam enfrentar a realidade, recusam a contemporização e concentram suas mentes em seguir o Sumo Pastor das ovelhas.

http://atthos4.blogspot.com.br/2012/11/a-ascensao-da-deusa-e-espiritualidade.html

http://pvmarques.wordpress.com/

sábado, 19 de janeiro de 2013

A conspiração evolucionista - Parte 1/6 

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013



10/12/2012-03h00
Seis passos para felicidade

Recentemente soube que alguns países querem endurecer ainda mais as leis antifumo: não pode fumar no carro, para fumar tem que ter uma carteirinha, quem nasceu a partir do ano 2000 não pode comprar tabaco. Esperamos, com a boca escancarada e cheia de dentes, a morte chegar. Mas, bem saudáveis. Hoje em dia, Raul Seixas vomitaria na plateia.

A "qualidade de vida" é uma das novas formas de puritanismo, sendo o feminismo uma outra (o feminismo é a nova repressão da sexualidade).

A felicidade e o bem-estar são as chaves da vida contemporânea. Vale tudo para ser feliz.

Qualquer discussão moral é pura afetação ética. Uma época dominada pela felicidade é uma época boba. Mas não estou sozinho nesta sensação: Aldous Huxley, escritor inglês, pensava a mesma coisa.

Quando olhamos para a história da ética, vemos que o utilitarismo inglês é o modo dominante da vida contemporânea. Para mim, pessoa um tanto desconfiada de quem passa a vida querendo ser feliz, isso tudo parece "limpinho" como um hospital. Jeremy Bentham (1748-1832), pai do utilitarismo, chegou mesmo a pensar num cálculo utilitário para otimizar a felicidade.

O principio utilitário afirma que o homem foge da dor e busca o prazer (o bem-estar). Logo, devemos fazer uma sociedade que vise produzir em larga escala a felicidade, o prazer e o bem-estar. E chegamos ao nosso mundo de gente que sonha em ficar com a boca escancarada, cheia de dentes, esperando a morte chegar, mas com saúde. A vida e a sociedade dominadas pela busca do bem-estar parecem tornar o homem menos homem.

O cálculo utilitário tem seis passos: 1. Intensidade: o prazer dever ser o mais intenso possível. 2. Duração: o prazer deve durar o máximo de tempo possível. 3. Certeza: cuidado para não produzir um prazer que não é o que você deseja com aquele ato. 4. "Remoticidade" (remoteness): o prazer deve causar efeito imediato ou o mais rápido possível. 5. Fecundidade: o prazer A deve gerar o prazer A1, o A2 e assim por diante. 6. Pureza: cuidado para não gerar desprazer ao invés de prazer.

Será que você já não põe isso mais ou menos em prática do seu dia a dia? Mas, dirão alguns, Bentham era um controlador, porque ele sempre pensava em termos de um centro (expert) controlando a periferia (as pessoas comuns).

Bentham ficará conhecido como o utilitarista antidemocrático, sendo John Stuart Mill (1806-1873) o utilitarista democrático. De acordo com este, maior representante da segunda geração de utilitaristas, a sociedade (os indivíduos) deve livremente buscar esse prazer.

Mas o que percebemos é que, ainda que Mill falasse muito em liberdade e contra o abuso de poder (cara simpático para a moçada que gosta de falar coisa bonitinha, tipo Obama), não adianta acusar o "centro do poder" de controlador, porque são as próprias pessoas que querem os seis passos para a felicidade de Bentham.

Isso cria o efeito de esmagamento típico do puritanismo de massa em que vivemos: saúde e felicidade. Fizéssemos um plebiscito, quase todo mundo escolheria uma gaiola feliz.

"Comunidade, identidade, estabilidade." O bem é sempre para todos, a identidade é o que nos une, a vida deve ser estável. Slogan que venderia bem no mundo para o qual seguimos a passos largos com esse utilitarismo social em que vivemos, com um controle cada vez maior dos gestos, do pensamento e dos hábitos em nome da "comunidade, identidade, estabilidade".

Esse era o slogan do mundo perfeito que Huxley criticou em seu "Admirável Mundo Novo" (1932), mas podia ser o de qualquer um dos proponentes bonitinhos do controle político da vida em nome do bem.

Louis Pojman, professor de filosofia da Academia Militar de West Point (EUA), chama isso de "tragédia da liberdade".

Toda liberdade pressupõe riscos, e toda sociedade pautada pela felicidade social não suporta a liberdade. Estamos caminhando a passos largos para uma dessas.

Toda a cultura intelectual está infestada de amor à felicidade social e de ódio ao indivíduo. O pesadelo totalitário não passou. Agora ele vem sob o disfarce da opinião pública e da vontade coletiva.


Luiz Felipe Pondé, pernambucano, filósofo, escritor e ensaísta, doutor pela USP, pós-doutorado em epistemologia pela Universidade de Tel Aviv, professor da PUC-SP e da Faap, discute temas como comportamento contemporâneo, religião, niilismo, ciência. Autor de vários títulos, entre eles, "Contra um mundo melhor" (Ed. LeYa). Escreve às segundas na versão impressa de "Ilustrada".

http://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizfelipeponde/1198539-seis-passos-para-felicidade.shtml

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013


Marxismo Cultural

terça-feira, 15 de janeiro de 2013



14/01/2013-03h03
Lágrimas por um panda

Em 500 anos, não seremos lembrados como a geração do iPad, porque ele será mais parecido com a idade da pedra do que com o que existirá em termos de tecnologia.

Seremos lembrados como a era da vulnerabilidade e do sentimentalismo barato. Somos uma cultura de frouxos viciados em conforto, que se lambem o tempo todo e culpam os outros por tudo.

Proponho a leitura de dois livros que ainda não têm tradução para o português (até onde sei), infelizmente. O primeiro, já antigo, de 2004, do sociólogo inglês Frank Furedi, "Therapy Culture: Cultivating Vulnerability in an Uncertain Age" (cultura da terapia: cultivando a vulnerabilidade numa era incerta), ed. Routledge, London.

O segundo, de 2011, do psiquiatra inglês (já falei dele nesta coluna e vou repetir mil vezes até alguma editora se tocar e publicá-lo no Brasil) Theodore Dalrymple, "Spoilt Rotten: The Toxic Cult of Sentimentality" (podre de mimado: o culto tóxico do sentimentalismo), da Gibson Square, London.

Furedi é um egresso da formação frankfurtiana, portanto, de esquerda, mas com forte influência do trabalho do historiador americano Christopher Lasch, um dos desbravadores da categoria de narcisismo como matriz da alma contemporânea.

Dalrymple, psiquiatra de cadeias e hospitais dos pobres ingleses, que atuou anos na África, identificado com o pensamento conservador anglo-saxão, explode muitas das soluções da psicologia social foucaultiana a partir de sua experiência clínica: as pessoas não são vítimas de sistema nenhum, e o serviço público, quando institucionaliza esta crença idiota no "sistema", faz das pessoas retardados morais.

Já é hora de ultrapassarmos a barreira da ignorância alimentada pela esquerda brasileira, que gosta de identificar o pensamento conservador anglo-saxão com fascismos racistas, religiosos e sexistas. Pura má-fé deles. Estão morrendo de medo de quem não tem mais medo deles. Risadas?

A marca do pensamento conservador anglo-saxão é seu empirismo cético contrário às especulações que marcam a crítica social francesa e alemã do século 20. Como diz a historiadora conservadora americana Gertrude Himmelfarb, "a realidade não parece encorajar especulações".

Esquerda e direita podem, sim, dialogar quando não está em questão "propor" mundos ideais, mas sim identificar nossas misérias
contemporâneas.

Mas o que vem a ser a cultura da terapia e seu culto da vulnerabilidade (Furedi)? Trata-se da contaminação da cultura pela ideia de que todos temos problemas e devemos confessá-los publicamente, e, por isso mesmo, somos vítimas eternas.

Ninguém é, de fato, responsável pelos males que faz, mas sim vítima de "problemas psicológicos ou sociais". Vejamos dois exemplos dados por Furedi em seu livro.

O primeiro se dá no Reino Unido. Empregado negro acusa patrão de racismo. Abre um processo. Apesar de outros empregados afirmarem nunca terem visto atitudes racistas no patrão, ele é condenado sob a alegação de que, se o empregado negro se sentiu constrangido, é o bastante, porque somos racistas inconscientemente, porque o "inconsciente é ideológico", como numa espécie de doença psicossocial. Hilário, não?

O segundo caso se dá nos EUA. Um bebê é encontrado morto na casa dos pais pela avó materna. A mãe, que estava num bar bebendo com o pai da criança no momento, quando julgada, argumenta que não tinha sido criada pela mãe com o afeto correto, por isso não tinha aprendido a ser mãe. Ridículo?

E o que vem a ser o culto do sentimentalismo barato (Dalrymple)? Entre vários sintomas, um dos mais fortes se sente na educação.

Toda criança é linda, boa e pode amar seus colegas. Hoje em dia, todo mundo tem problema. Um dia, será proibido reprovar um aluno sob pena de que você está sendo insensível para com seus limites psicológicos ou sociais.

Outro sintoma é a obrigação das pessoas mostrarem que "care" (se importam) com alguma coisa. Se você colocar a foto de uma criança africana pobre no "Face", você come (quase) todo mundo.

Chore por um panda e defenda o aborto de crianças. Você será top na balada.


Luiz Felipe Pondé, pernambucano, filósofo, escritor e ensaísta, doutor pela USP, pós-doutorado em epistemologia pela Universidade de Tel Aviv, professor da PUC-SP e da Faap, discute temas como comportamento contemporâneo, religião, niilismo, ciência. Autor de vários títulos, entre eles, "Contra um mundo melhor" (Ed. LeYa). Escreve às segundas na versão impressa de "Ilustrada".

http://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizfelipeponde/1214265-lagrimas-por-um-panda.shtml

sábado, 12 de janeiro de 2013

Freddie Fender - Across the borderline


ABC da Desinformação



Escrito por Olavo de Carvalho | 11 Janeiro 2013
Artigos - Desinformação



Psicologicamente, Pearl Harbor é ainda hoje um símbolo aglutinador do patriotismo americano, mas, em termos substantivos, foi uma tremenda vitória da desinformação soviética.


Para quem zela pela sobrevivência do seu cérebro num tempo de naufrágio universal da inteligência, nada mais urgente do que compreender o que é realmente “desinformação”. O uso corrente da palavra como rótulo infamante para denegrir qualquer opinião adversa é garantia segura de que as verdadeiras operações de desinformação passarão despercebidas, condição necessária e quase suficiente do seu sucesso.

Só há dois tipos de desinformação genuína, e cada um deles requer muito mais planejamento e execução cuidadosa do que o mero vício jornalístico de espalhar mentirinhas ideologicamente sedutoras.

O primeiro tipo – e, de longe, o mais importante – é aquele que tem como alvo não o público em geral, a massa ignara, e sim os homens do poder, os que tomam decisões de grande alcance. Dificilmente uma dessas criaturas se deixa orientar pelo que sai na mídia popular. Para influenciá-las é preciso colocar no seu entourage (ou conquistar mediante suborno, chantagem etc.) assessores técnicos que sejam da sua plena confiança. E mesmo estes têm de ser muito prudentes no manejo do fluxo de informações que levará seus chefes a tomar as decisões erradas, favoráveis ao inimigo que controla de longe a situação. A importância dessas operações é imensurável, muito mais do que o cidadão comum pode imaginar, e ninguém foi (e é ainda) mais hábil em manejá-las do que a boa e velha KGB (atual FSB). Graças à pletora de documentos secretos revelados após a queda da URSS, hoje sabe-se que desde os anos 40 os agentes soviéticos moldaram a seu belprazer algumas das principais decisões estratégicas do governo de Washington no cenário internacional, induzindo-o a trabalhar contra os interesses mais vitais da nação americana.

O exemplo mais claro e didático está no livro Operation Snow: How a Soviet Mole in FDR’s White House Triggered Pearl Harbor, de John Koster (Regnery, 2012). “Mole” (toupeira) é, no jargão dos serviços de inteligência, o termo técnico que designa o agente infiltrado. A toupeira, no caso, foi Harry Dexter White, alto funcionário do Tesouro, homem de confiança de Franklin Delano Roosevelt e, como os documentos comprovam, agente soviético.

A situação era a seguinte em 1941. O governo militarista e expansionista do Japão estava dividido entre duas correntes: uma queria retormar a velha guerra com a Rússia. A outra queria ajudar os nazistas contra as potências ocidentais. A Rússia, sob ataque alemão desde junho, não podia oferecer resistência eficaz aos japoneses do outro lado do território. Profundo conhecedor da língua, da cultura e da política japonesas, e colocado, ademais, numa posição desde a qual podia facilmente influenciar as decisões econômicas do governo Roosevelt, Harry Dexter White foi contratado pelos soviéticos para criar artificialmente um conflito entre o Japão e os EUA. A seqüência de memorandos e estudos estratégicos com que ele remoldou para pior as relações econômicas entre os dois países foi uma obra de gênio, levando Roosevelt a impor às importacões japonesas de petróleo limitações drásticas que do ponto de vista americano pareciam simplesmente razoáveis, mas que no contexto japonês, e em língua japonesa, soavam como verdadeiras declarações de guerra. O Japão respondeu com o ataque a Pearl Harbor em 7 de dezembro de 1941 – não por coincidência, um dia depois que a Rússia, livre da ameaça nipônica, lançava aos alemães um contra-ataque maciço.

Psicologicamente, Pearl Harbor é ainda hoje um símbolo aglutinador do patriotismo americano, mas, em termos substantivos, foi uma tremenda vitória da desinformação soviética.

O outro tipo de desinformação é antes uma obra de engenharia social. Não se dirige ao governo para moldar suas decisões, mas, ao contrário, vem do governo e de seus centros de poder associados e desce para a massa popular, depois que as decisões já estão tomadas e é preciso, para implementá-las, conquistar o apoio do eleitorado, mantê-lo na total ignorância do que os altos círculos estão fazendo ou ajustar sua conduta aos padrões exigidos pela nova política.

Pode-se chamar esses dois tipos de micro e macrodesinformação. As dificuldades são consideráveis em ambos os casos, mas de natureza bem diversa. Se o primeiro é inviável sem o máximo de sigilo e o manejo fino do fluxo de informações, o segundo requer o controle completo dos meios maiores e mais prestigiosos de difusão, podendo no entanto coexistir com alguma contestação menor – ou marginal -- que, estatisticamente, não afete os sentimentos da massa popular.

No Brasil essa condição é facílima de alcançar, pois a grande mídia foi sempre dependente de verbas governamentais e não se atreve a morder a mão que a alimenta. Foi assim que os maiores jornais e canais de TV consentiram em ocultar a existência do Foro de São Paulo até o momento em que, dominador completo da situação continental, este já podia se exibir em público sem maiores riscos.

Nos EUA a coisa teve de ser precedida de um longo e complexo processo de concentração da mídia nas mãos dos grupos globalistas que hoje disputam com a Rússia as afeições do bloco islâmico. Quando esses grupos colocaram Barack Hussein Obama no governo para minar o poder nacional dos EUA e operar um giro de 180 graus na política externa americana, fazendo do antigo aliado de Israel o maior protetor que os radicais muçulmanos já tiveram no Ocidente, a mídia já estava preparada para ocultar não somente a biografia altamente comprometedora do presidente, mas até algumas das suas executive orders mais ambiciosas e daninhas, que entram em vigor sem que a população fique sabendo de nada.

Publicado no Diário do Comércio.

http://www.midiasemmascara.org/artigos/desinformacao/13752-abc-da-desinformacao.html


segunda-feira, 7 de janeiro de 2013



Zeca Pagodinho e o heroísmo erótico 
 http://www.felipemourabrasil.com.br/

"Dá nojo de político", disse Zeca Pagodinho, o herói da semana em Xerém. Mas de qual político, Zeca? Não seria a hora de você se desculpar por ter apoiado Lula tantas vezes? Sim, eu sei, o governador não é ele; é Sérgio Cabral, eleito com o apoio dele. Não é uma trágica ironia ver o naufrágio de uma cidade abandonada pelo afilhado político - e maior discípulo moral - do seu candidato?

Mais do que isso: não é estranho ter nojo de político que nada faz para evitar a morte de 2 moradores, o desaparecimento de mais alguns e o desalojamento de outras centenas em função de uma tempestade de verão (e que mal se move para socorrê-los); e apoiar político que nada faz para evitar, ou melhor, tudo faz para fomentar o assassinato de até 50 mil compatriotas por ano em tempos de "paz"? Não é estranho, Zeca, ter nojo de alguém só quando as vítimas de seu descaso nos são próximas?

Não, respondo eu. Não é estranho. É brasileiro. Zeca Pagodinho representa a índole da cultura nacional. O Brasil é tradicionalmente o país da chamada emoção erótica. Uma emoção limitada ao contato, à proximidade, ao vínculo familiar ou social. Brasileiro é muito unido a quem está dentro de seu círculo e muito indiferente a quem está fora. Ele ama e se preocupa apenas com os seus.

Meira Penna descreve este traço no livro Em berço esplêndido, o estudo mais útil já escrito sobre o assunto. Diz ele: "O brasileiro traduz literalmente o mandamento cristão de amar o próximo. Acredita que a caridade começa em casa... e talvez nela termine. É a solidariedade do contíguo e do consanguíneo. O próximo é antes de tudo o parente, mas também o amigo, o sócio, o cliente; todos os conhecidos, aqueles com quem se convive e se trabalha; que podem ser vistos, ouvidos e sentidos diariamente. Só estes merecem a expansão específica da cordialidade e da philia. Os desconhecidos, que se danem!"

José Ingenieros, em seu incontornável livro O homem medíocre, descreve esta mesma limitação afetiva como sintoma de mediocridade: "O medíocre limita seu horizonte afetivo a si mesmo, à sua família, aos seus camaradas, à sua facção; mas não sabe estendê-lo até a Verdade ou a Humanidade, que apenas pode apaixonar ao gênio."

Longe de mim recriminar Zeca Pagodinho por dirigir seu quadriciclo "desde 6 da manhã" pela cidade alagada, ajudando as vítimas da tragédia serrana. Este é o Zeca que representa justamente o que o brasileiro tem de melhor: o amor aos seus. É o Zeca afetuoso com seus amigos e vizinhos, e solidário quando estes mais precisam dele. É o Zeca que eu ia assistir moleque no antigo Imperator, no Méier, e no Teatro Rival, na Cinelândia - quando seu público ainda cabia ali -, e com quem tanto aprendi sobre simplicidade, espontaneidade e afeto por quem nos é próximo, como ele nunca cansou de demonstrar no palco e na carreira a seus músicos, ídolos, padrinhos e afilhados. Na verdade, há 20 anos acostumado com este Zeca, nem sequer me foi surpresa vê-lo encharcado e emocionado na TV, fazendo pelos seus o que os políticos não fizeram.

Mas Zeca é brasileiro e, como tal, diria Olavo de Carvalho, "decide as questões mais graves do destino humano pelo mesmo critério de atração e repulsa imediatos com que julga a qualidade da pinga ou avalia o perfil dos bumbuns na praia. Daí sua tendência incoercível de tomar a simpatia pessoal, a identidade de gostos (...) como sinais infalíveis de alta qualificação moral". Não à toa, o sambista já se referiu a Lula como "um homem de bem", defendendo que ele certamente "não sabia de nada", porque "Eu mesmo às vezes não sei de coisas da minha vida".

Em outras palavras: Zeca é tão solidário às pessoas próximas, como Lula, que nem se importa em saber o efeito das ações delas na vida alheia, mesmo quando esses efeitos respingam em seu próprio quintal e até o devastam. O ódio ao conhecimento, a maior desgraça "deste país", é isso: uma forma de indiferença - um "que se danem!" - ao desconhecido e aos desconhecidos, que sempre acaba por prejudicar, mesmo da maneira mais indireta, aqueles que se conhece. Quem não sabe estender seu horizonte afetivo "até a Verdade ou a Humanidade" pode até praticar o "bem" com uma mão, mas o mais provável é que, consciente ou inconscientemente, esteja afagando o mal com a outra.

Zeca Pagodinho faria muito bem à população que o aplaude se dissesse ter nojo, especificamente, de Cabral e de Lula, confessando a vergonha de ter apoiado este último, que não só se aproveitou da cisão afetiva nacional, como também, pelo exemplo e pelas atitudes, elevou-a até os limites da crueldade pura e simples, favorecendo sempre os "companheiros" (inclusive os terroristas das Farc), enquanto deixava 50 mil brasileiros desconhecidos morrerem assassinados por ano. Se não fizer isso, Zeca é apenas mais um cidadão ativista que luta bravamente para limpar na vizinhança a sujeira que ajudou a criar no país.

Na sociedade erótica brasileira, como se sabe, até os heróis são (amigos dos) bandidos.

*****

Felipe Moura Brasil é autor do
Blog do Pim e, muito embora amante do samba desde moleque, cresceu o bastante para saber que o buraco da cultura é muito mais acima.




sábado, 5 de janeiro de 2013

O Gnosticismo e sua Revolta contra Deus 

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Cavalos mortos

Olavo de Carvalho
O Globo, 17 de Fevereiro de 2001


Se é certo que romances, contos e peças de teatro registram algo da psicologia dos povos, nós, brasileiros, deveríamos atentar seriamente para o seguinte fato: nenhuma literatura no mundo é tão abundante de tipos insinceros e fingidos como a nossa. Praticamente a galeria inteira dos personagens de Machado de Assis, Lima Barreto, Graciliano Ramos, Arthur Azevedo, Marques Rebelo, Nelson Rodrigues e tantos outros é constituída de pequenos farsantes, fracos e sem caráter, nos quais a mentira existencial se tornou como que uma segunda natureza.



Não se trata de mentirosos conscientes, maquiavélicos, demoníacos. Não temos um Iago nem um Verkhovenski Jr. (o maligno revolucionário de "Os demônios" de Dostoiévski). São antes personalidades de pés de barro, erigidas em cima de uma falsa consciência, de um desvio do foco de atenção. Deslizam instintivamente para fora da realidade, como que por medo de se conhecer, de topar de repente com a imagem da sua própria miséria interior. Tímidas e esquivas, revestem-se incessantemente de máscaras verbais cujo comércio preenche nove décimos da sua vida de vigília. O décimo restante - quando chega à consciência - é angústia secreta, reprimida, que não ousa dizer seu nome.



Na tipologia de Lukács, que distingue entre os personagens que sofrem porque sua consciência é mais ampla que a do meio em que vivem e os que não conseguem abarcar a complexidade do meio, a literatura brasileira criou um terceiro tipo: aquele cuja consciência não está nem acima nem abaixo da realidade, mas ao lado dela, num mundo à parte todo feito de ficções retóricas e afetação histriônica. Em qualquer outra sociedade conhecida, um tipo assim estaria condenado ao isolamento. Seria um excêntrico. No Brasil, ao contrário, ele é o tipo dominante: o fingimento é geral, a fuga da realidade tornou-se instrumento de adaptação social. Mas adaptação, no caso, não significa eficiência, e sim acomodação e cumplicidade com o engano geral, produtor da geral ineficiência e do fracasso crônico, do qual em seguida se busca alívio em novas encenações, seja de revolta, seja de otimismo. Na medida em que se amolda à sociedade brasileira, a alma se afasta da realidade - e vice-versa. Ter a cabeça no mundo da lua, dar às coisas sistematicamente nomes falsos, viver num estado de permanente desconexão entre as percepções e o pensamento é o estado normal do brasileiro. O homem realista, sincero consigo próprio, direto e eficaz nas palavras e ações, é que se torna um tipo isolado, esquisito, alguém que se deve evitar a todo preço e a propósito do qual circulam cochichos à distância.



Meu amigo Andrei Pleshu, filósofo romeno, resumia: "No Brasil, ninguém tem a obrigação de ser normal." Se fosse só isso, estaria bem. Esse é o Brasil tolerante, bonachão, que prefere o desleixo moral ao risco da severidade injusta. Mas há no fundo dele um Brasil temível, o Brasil do caos obrigatório, que rejeita a ordem, a clareza e a verdade como se fossem pecados capitais. O Brasil onde ser normal não é só desnecessário: é proibido. O Brasil onde você pode dizer que dois mais dois são cinco, sete ou nove e meio, mas, se diz que são quatro, sente nos olhares em torno o fogo do rancor ou o gelo do desprezo. Sobretudo se insiste que pode provar.



Sem ter em conta esses dados, ninguém entende uma só discussão pública no Brasil. Porque, quando um brasileiro reclama de alguma coisa, não é que ela o incomode de fato. Não é nem mesmo que ela exista. É apenas que ele gostaria de que ela existisse e fosse má, para pôr em evidência a bondade daquele que a condena. Tudo o que ele quer é dar uma impressão que, no fundo, tem pouco a ver com a coisa da qual fala. Tem a ver apenas com ele próprio, com sua necessidade de afeto, de aplauso, de aprovação. O assunto é mero pretexto para ele lançar, de maneira sutil e elegante, um apelo que em linguagem direta e franca o exporia ao ridículo.



Esse ardil psicológico funda-se em convenções provisórias, criadas de improviso pela mídia e pelo diz-que-diz, que apontam à execração do público umas tantas coisas das quais é bom falar mal. Pouco importa o que sejam. O que importa é que sua condenação forma um "topos", um lugar-comum: um lugar no qual as pessoas se reúnem para sentir-se bem mediante discursos contra o mal.



O sujeito não sabe, por exemplo, o que são transgênicos. Mas ele viu de relance, num jornal, que é coisa ruim. Melhor que coisa ruim: é coisa de má reputação. Falando contra ela, o cidadão sente-se igual a todo mundo, rompe por instantes o isolamento que o humilha.



Essa solidariedade no fingimento é a base do convívio brasileiro, o pilar de geléia sobre o qual se constroem uma cultura e milhões de vidas. Em outros lugares as pessoas em geral discutem coisas que existem, e só as discutem porque perceberam que existem. Aqui as discussões partem de simples nomes e sinais, imediatamente associados a valores, ao ruim e ao bom, a despeito da completa ausência das coisas consideradas.



Não se lê, por exemplo, um só livro de história que não condene a "história oficial" - a história que celebra as grandezas da pátria e omite as misérias da luta de classes, do racismo, da opressão dos índios e da vil exploração machista. Em vão buscamos um exemplar da dita cuja. Não há cursos, nem livros, nem institutos de história oficial. Por toda parte, nas obras escritas, nas escolas de crianças e nas academias de gente velha, só se fala da miséria da luta de classes, do racismo, de índios oprimidos e da vil exploração machista. Há quatro décadas a história militante que se opunha à história oficial já se tornou hegemônica e ocupou o espaço todo. Se há alguma história oficial, é ela própria. Mas, sem uma história oficial para combater, ela perderia todo o encanto da rebeldia convencional, pondo à mostra os cabelos brancos que assinalam sua identidade de neo-oficialismo consagrado -- balofo, repetitivo e caquético como qualquer academismo.



Direi então que ela açoita um cavalo morto? Não é bem isso. Ela própria é um cavalo morto. Um cavalo morto que, para não admitir que está morto, escoiceia outro cavalo morto. Todo o "debate brasileiro" é uma troca de coices num cemitério de cavalos.

es, do racismo, da opressão dos índios e da vil exploração machista. Em vão buscamos um exemplar da dita cuja. Não há cursos, nem livros, nem institutos de história oficial. Por toda parte, nas obras escritas, nas escolas de crianças e nas academias de gente velha, só se fala da miséria da luta de classes, do racismo, de índios oprimidos e da vil exploração machista. Há quatro décadas a história militante que se opunha à história oficial já se tornou hegemônica e ocupou o espaço todo. Se há alguma história oficial, é ela própria. Mas, sem uma história oficial para combater, ela perderia todo o encanto da rebeldia convencional, pondo à mostra os cabelos brancos que assinalam sua identidade de neo-oficialismo consagrado -- balofo, repetitivo e caquético como qualquer academismo.



Direi então que ela açoita um cavalo morto? Não é bem isso. Ela própria é um cavalo morto. Um cavalo morto que, para não admitir que está morto, escoiceia outro cavalo morto. Todo o "debate brasileiro" é uma troca de coices num cemitério de cavalos.

http://www.olavodecarvalho.org/semana/cavalos.htm