domingo, 4 de novembro de 2012




PT versus PSDB O silêncio dos cúmplices
A indiferença de tucanos e petistas ante a estarrecedora carnificina de policiais em São Paulo (algo inadmissível numa nação civilizada), além de provar que não há oposição no país, deixa o brasileiro à mercê dos criminosos


José Serra: teses de segurança não diferem das do PT; Fernando Haddad: candidato poupado do kit gay; Celso Russomanno: destruição terceirizada pelo PT


José Maria e Silva

Desde que PT e PSDB se tornaram os mais emblemáticos partidos do país, transformando os demais em satélites de seus projetos de poder, a disputa entre ambos aflora a cada dois anos, seja nas eleições municipais, seja nas eleições nacionais. E o Estado de São Paulo — pátria dos dois partidos — é o epicentro desse aparente sismo ideológico que repõe no debate público conceitos antitéticos como “esquerda versus direita”, “progressistas versus conservadores”, “proletários versus burgueses”. Nas eleições deste ano não foi diferente e, em que pese o julgamento do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal (que está condenando à cadeia boa parte da elite petista), o que mais marcou a eleição para prefeito de São Paulo foi o embate entre “progressistas” e “conservadores” fomentado pelos formadores de opinião (leia-se universidades e seu cavalo-de-santo: a imprensa). Segundo essa peculiar leitura de mundo (que tem a força incontestável da ficção), o candidato petista Fernando Haddad é o representante dos progressistas, enquanto o candidato tucano José Serra encarna os “conservadores”, palavra que a imprensa usa como sinônimo de “retrógrados”.

No primeiro turno, o embate entre Serra e Haddad foi ofuscado pelo fenômeno Celso Russomanno (PRB), que liderou as pesquisas de opinião pública durante boa parte da campanha, chegando a dar a impressão de que o petista Fer­nando Haddad ficaria fora do segundo turno. Essa possibilidade fez com que o PT se desesperasse, partindo para o ataque contra o deputado federal e apresentador de TV que também posa de defensor dos consumidores. Mas, para o PT, não convinha enfurecer o aliado Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus e padrinho do candidato do PRB, inclusive com um ministro (Mar­celo Crivella, da Pesca) no governo Dilma Rousseff. Por isso, os petistas terceirizaram o trabalho de destruição de Russomanno, deixando-o por conta da imprensa paulista — aliada quase indisfarçável de Fernando Haddad. E os jornais de São Paulo tiveram seu trabalho facilitado pelo concurso de outra aliança espontânea — a da Rede Globo, que não queria ver no comando da Prefeitura de São Paulo um pupilo de Edir Macedo, dono da Rede Record. Essa frente ampla contra Russomanno liquefez sua candidatura em menos de um mês e ele ficou fora do segundo turno.

Assim que Serra e Haddad ficaram sozinhos frente a frente, a imprensa trouxe de volta a aparente diferença ideológica entre eles, tentando impingir ao candidato tucano a pecha de conservador. O apoio do pastor Silas Malafaia a José Serra foi o principal pretexto que os petistas (explicitamente) e a imprensa (nas entrelinhas) usaram para tachar de conservador o candidato tucano. Não no sentido normal que a palavra “conservador” carrega, mas com uma carga pejorativa, como sinônimo de “retrógrado”, “atrasado”, “reacionário”. Pastor da Assembleia de Deus no Rio de Janeiro e vice-presidente do Conselho Interdenominacional de Ministros Evangélicos do Brasil (Cimeb), que congrega mais de 8,5 mil pastores, Malafaia criticou Fernando Haddad diretamente, responsabilizando-o pela distribuição do chamado “kit gay” nas escolas públicas do país, quando era ministro da Edu­cação. Na época, graças às denúncias da bancada evangélica no Congresso Nacional, que tem entre seus líderes o deputado goiano João Campos (PSDB), a distribuição do kit gay acabou sendo suspensa pela presidente Dilma Rousseff, numa inequívoca admissão de que o material nada tinha de educativo e não passava mesmo de uma promoção descabida do homossexualismo (assim mesmo, com o sufixo “ismo”, que remete à ideologia).

Subproduto do Plano Real

A “Folha de S. Paulo” chegou a utilizar uma pesquisa do Datafolha para afirmar que as declarações de Malafaia em favor de Serra fizeram o tucano perder votos, que só teriam sido recuperados depois que o kit gay perdeu espaço no noticiário. Trata-se de uma análise tendenciosa, cujo principal objetivo — mais do que atacar Serra e poupar Haddad do desgaste do kit gay — é cassar a cidadania dos conservadores. Ser conservador no Brasil é pior do que ser criminoso. Por isso, o próprio Serra evitou falar do kit gay durante a campanha, com medo da pecha de conservador. Afinal, não existe política pública pensada pelo PT que não tenha sido executada pelo PSDB, começando pelo combate à homofobia, que, juntamente com as políticas raciais, causa graves danos ao país. PT e PSDB são irmãos siameses, filhos da universidade brasileira, e comungam os mesmos ideais de transformação da sociedade capitalista. Suas diferenças se dão muito mais na forma de atuação do que na essência do que professam. O PT é sinônimo de luta; o PSDB, de moderação. O PT, para o bem e para o mal, é um partido de verdade, com forte lastro social. Já o PSDB não existe: é mero subproduto do Plano Real. Como partido, só deu certo em São Paulo, mas pode estar com os dias contados, caso se confirme a vitória de Haddad nas urnas.

Mas o principal sintoma da iminente falência política do PSDB não é exatamente a incapacidade do partido de bombardear o kit gay distribuído nas escolas pelo MEC de Haddad. Mesmo se o PSDB fosse contra a falaciosa política de combate à homofobia (e ele não é), ainda assim não seria fácil discutir um tema complexo e multidisciplinar como esse numa campanha majoritária. O mesmo não se pode dizer da segurança pública, que pode — e deve — ter lugar até mesmo nas campanhas municipais, em que pese o poder de polícia ser privativo da União e dos Estados. Mas o PSDB jamais discutiu esse tema a contento, nem mesmo nas eleições para o governo de São Paulo ou para presidente da República. Às vezes em que José Serra e Geraldo Alckmin abordaram o assunto foi para repetir as teses do próprio PT, que advoga a completa emasculação da polícia e prega que todos os criminosos são vítimas da desigualdade social. Graças a isso, o PT consegue encurralar o PSDB até na questão da segurança pública, em que pese São Paulo ser o Estado que, disparadamente, mais reduziu a taxa de homicídios no país, passando de 42,2 homicídios por 100 mil habitantes em 2000 para 13,9 em 2010 — uma queda de 67%.

Mas, neste ano de 2012, os homicídios voltaram a crescer no Estado. Em setembro último, vésperas das eleições, somente na capital paulista ocorreram 135 homicídios, 96,5% a mais do que os 69 homicídios ocorridos na cidade em setembro do ano passado. Todavia, o dado mais preocupante dessa estatística é o número de policiais mortos no Estado. Até a última sexta-feira, 88 policiais militares haviam sido mortos em São Paulo, além de dezenas de outros que foram feridos ou atacados por marginais. Na maioria dos casos, os policiais não morreram em troca de tiros com bandidos, mas nas horas de folga — premeditadamente executados, algumas vezes na frente da esposa e filhos. Acredita-se que o PCC (Primeiro Comando da Capital) esteja por trás desses ataques aos policiais, que também aterrorizam seus familiares. Em reportagens de TV, quando mu­lheres de policiais são entrevistadas, elas expressam seu pânico por meio do anonimato, com a voz eletronicamente distorcida e o rosto encoberto em sombras. Em São Paulo, muitos policiais voltam do trabalho em comboio, com medo das emboscadas. É a completa inversão dos valores que fundamentam a civilização — enquanto os agentes da ordem constituída se escondem, os bandidos estão soltos nas ruas.

Prisões viraram santuários

Em qualquer nação civilizada, as 88 mortes de policiais em São Paulo — quase dez mortes por mês — já seriam motivo suficiente para parar o país. Anualmente, mais policiais são mortos no Estado de São Paulo do que em todos os Estados Unidos, um país com 856 mil quilômetros quadrados a mais do que o Brasil e com uma população de 308,7 milhões de habitantes, ou seja, quase 115 milhões de habitantes a mais do que a nossa população. Apesar de seu tamanho gigantesco e de sua extrema complexidade demográfica, que agrega imigrantes provenientes de todos os rincões do mundo, alguns propensos ao terrorismo, os Estados Unidos, segundo dados do FBI (Federal Bureau of Investigation), contabilizaram em todo o ano de 2011 apenas 72 mortes de policiais por criminosos. Mas esse número — significativamente menor que as mortes de policiais em São Paulo apenas nos dez primeiros meses deste ano — já é motivo de grande preocupação para as autoridades norte-americanas, segundo a reportagem do “The New York Times”, publicada em 9 de abril deste ano, que traz esses dados. É que, enquanto os crimes violentos diminuíram no país, houve um aumento de 25% no número de policiais mortos em 2011 quando comparados aos 56 policiais mortos no ano anterior em todo o país.

Para se ter uma ideia do quanto os Estados Unidos — ao contrário do Brasil — valorizam a vida daqueles que zelam pela ordem social, o FBI monitora meticulosamente as mortes de policiais em todo o país desde 1937, por meio de estudos do John Jay College, faculdade dedicada à Justiça Criminal. Já o The National Law Enforcement Officers Memorial, sediado em Washington DC, dedica-se a perpetuar, ano após ano, o nome de cada agente da lei morto em serviço. O primeiro caso do gênero conhecido e perpetuado pelo memorial data de 221 anos atrás, ainda na infância do país. Trata-se do xerife Cor­nelius Hogeboom, de Hudson, no Estado de Nova York, baleado e morto em 22 de outubro de 1791, quando tentava cumprir um mandado de reintegração de posse. Já no Brasil, ocorre justamente o contrário: enquanto o policial tomba anonimamente como estatística desprezível, o bandido morto em confronto com a polícia é que se transforma em vítima. Isso quando não vira herói, eternizado em filmes, livros e teses acadêmicas, como ocorreu com o bandido do Ônibus 174. Outro exemplo é a santificação dos bandidos mortos no Carandiru — verdadeiro marco da impunidade dos presos no país. Depois daquela chacina, as prisões brasileiras foram transformadas em santuários, em que a polícia jamais pode entrar, mesmo que os presos estejam tocando fogo no prédio ou empalando seus desafetos.

É o que está ocorrendo em São Paulo com as mortes de policiais militares. O governador Geraldo Alckmin está sob fogo cerrado da imprensa e dos intelectuais universitários, que posam de especialistas em segurança pública, mas, em sua maioria, não passam de militantes da esquerda engajados na candidatura de Fernando Haddad. Na quinta-feira, 25, Alckmin disse à imprensa que seu governo “não vai retroagir um milímetro” diante da escalada de violência contra os policiais e declarou: “É ir pra cima de criminoso. Polícia nas ruas e criminoso na cadeia”. Essa fala do governador foi tratada como uma espécie de blasfêmia. A imprensa se apressou a ouvir os chamados “especialistas”, fingindo ignorar que todos eles são militantes ou simpatizantes da esquerda e, portanto, lutam ou torcem pela vitória de Haddad. Uma dirigente do Instituto Sou da Paz, ONG fundada na Faculdade de Direito da USP, fez a seguinte afirmação: “Precisamos de uma declaração [do governador] que diga explicitamente que não é matando que a polícia vai conter essa onda”. Ou seja, para ela não tem a menor importância a morte de 88 policiais — o importante é acusar a polícia da autoria de todos os demais homicídios.

Em defesa do PCC

Outra intervenção sobre a segurança pública em São Paulo que beira o escárnio é o artigo “Vamos falar de segurança?”, do correspondente da “Folha de S. Paulo” em Nova York, Raul Juste Lores. O jornalista começa falando do bárbaro assassinato de uma menina de 15 anos em Hi­gie­nópolis por causa de um celular e aproveita para criticar o governo paulista: “Os tucanos, que estão há 20 anos no poder, têm muito a explicar sobre Polícia Civil. Queda de homicídios se comemora, mas todos os outros crimes continuam nas alturas. A última frase de Alckmin, reaproveitada pelo assassino da garota de Higienópolis, sobre ‘quem não reagiu, está vivo’, vai para a história do retrocesso paulista”. Notem que o jornalista acusa Alckmin de ser o mentor intelectual do crime, ainda que involuntário, e escarnece da menina assassinada ao compará-la com criminosos do PCC mortos pela polícia e aos quais a frase do governador se refere. Lores se esquece que foi o próprio jornal em que trabalha quem transformou a suposta reação das vítimas numa verdadeira justificativa para o latrocínio. Tanto que, na reportagem sobre a menina morta, a “Folha”, como sempre faz em matérias sobre latrocínio, gastou dois parágrafos para contrapor as falas do latrocida e do namorado da vítima sobre sua suposta reação. Só num país dominado pelo banditismo, inclusive o ideológico, é possível se discutir a sério a suposta “reação” de uma menina de 15 anos diante de três bandidos adultos armados. A simples menção à palavra “reação” num caso desses é uma grave ofensa à memória da vítima, além de servir de justificativa para a ação do criminoso.

Ainda mais grave é o artigo “Governo que produz crime, crime que produz governo: políticas estatais e políticas criminais na gestão do homicídio em São Paulo (1992-2011)”, que transforma a queda dos homicídios em São Paulo em mérito do PCC (Primei­ro Comando da Capital). O artigo, publicado no último número da prestigiosa “Revista Brasileira de Segurança Pública”, é de autoria do sociólogo Gabriel de Santis Feltran, professor da Universidade Federal de São Carlos e doutor em ciências sociais pela Unicamp, com estágio doutoral na École des Hautes Études en Sciences So­ciales de Paris. Ao descrever os ataques de maio de 2006 na capital paulista, atribuídos ao PCC, o sociólogo diz que “policiais foram mortos mesmo à paisana”. Mas quando se trata da ação da polícia, as mortes viram “assassinatos”. Confiram: “O número de ‘suspeitos’ assassinados crescia satisfatoriamente. A polícia militar matou uma única pessoa no dia 12, antes do início dos ataques; assassinou 18 no dia seguinte; mais 42 no dia 14; e mais 37 no dia 15 de maio. As polícias tinham tido 40 baixas, mas ganhavam a ‘guerra’. Com 97 ‘suspeitos’ abatidos em três dias, anunciou-se que tudo estava de novo ‘sob controle’.” Reparem que o pesquisador não tem a menor dúvida de que, em nenhum caso, houve reação dos bandidos: todos foram “assassinados” pela polícia. Já os policiais não foram “assassinados”: são reduzidos a “baixas” e “mortos”.

A “Revista Brasileira de Segu­rança Pública” é editada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e tem o apoio do Mi­nistério da Justiça. Imaginem se fosse o contrário: uma revista científica patrocinada pelo governo de São Paulo com um artigo sobre o Bolsa-Família que tivesse o seguinte título: “Governo que produz populismo, populismo que produz governo”? Sem dúvida, o PT jamais aceitaria a crítica e acusaria os tucanos de manipular a ciência para fins políticos. Já o PSDB se deixa acuar por ideólogos de esquerda travestidos de cientistas independentes e, apegando-se a um discurso meramente administrativo, deixa que o PT monopolize o discurso social. No Rio de Janeiro, os peemedebistas Sergio Cabral e Eduardo Paes, aliados do PT, tomam medidas muito mais duras do que o governo de São Paulo, mas nunca são criticados pelos acadêmicos. O prefeito Paes promete internar à força todos os viciados em crack. E o governador Cabral chegou a tratar médicos como presidiários, colocando chips de vigilância em seus jalecos. Os intelectuais universitários não se levantam contra essas medidas. Estão empenhados em proteger os viciados e bandidos de São Paulo. E os tucanos — por absoluta falta de um discurso alternativo em relação a esse dos petistas — calam-se também, num silêncio cúmplice.

http://www.jornalopcao.com.br/posts/reportagens/o-silencio-dos-cumplices





 


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